terça-feira, 17 de março de 2020
SUSPENSÃO DE AULAS NÃO É ANTECIPAÇÃO DE FÉRIAS
SUSPENSÃO DE AULAS NÃO É ANTECIPAÇÃO DE FÉRIAS
No dia 15 de março o poder executivo do Estado de Goiás publicou uma nota técnica orientando a suspensão de atividades nos órgãos da administração estadual, inclusive instituições educacionais.
SOBRE AS FÉRIAS
O texto da nota técnica introduziu um ato inconstitucional, ilegal e insustentável, relacionado ao direito de férias, que é o descanso remunerado das trabalhadoras e dos trabalhadores da educação.
A Constituição garante o direito às férias como um período para as pessoas que trabalham neste país possam usufruírem de um tempo livre mais extenso e com potencial de qualidade. Esse é o momento que os trabalhadores podem descansar da rotina exaustiva de trabalho cotidiano, em que podem desenvolver outras atividades que desejem, como reencontrar famílias, amizades, amores e a si mesmos e mesmas.
Além do mais, o Estatuto do Magistério, tanto municipal quanto o estadual, preveem que as férias ocorrerão em julho. Portanto, a atual suspensão de aulas não pode ser confundida com férias como insinua a Nota Técnica da Secretaria de Saúde. Entendemos que foi um equívoco por parte da Secretaria por desconhecer a legislação educacional.
É preciso ressaltar que este direito foi conquistado por lutas ao longo de séculos, tanto pela redução da jornada de trabalho, como pelo direito à aposentadoria, à licença, ao tempo para refeições e para a formação das crianças. O direito à educação, a viver livre do trabalho escravo ou servil, a votar e ser votado, a criar organizações (privadas e públicas) também foi fruto dessas lutas.
SOBRE A REPOSIÇÃO
Outra dúvida corrente dos trabalhadores da educação nesse momento de suspensão de aulas diante da pandemia do COViD19, diz respeito à reposição das aulas e a insinuação de "antecipação de férias".
No ano de 2009, o Conselho Nacional de Educação (CNE) foi provocado devido a epidemia de H1N1 e emitiu o parecer (19/2009), que, sob importantes argumentos determinou o seguinte:
"Diante desta realidade, como se posiciona este Conselho sobre a possibilidade de não se cumprir o mínimo de 800 (oitocentas) horas distribuídas em, no mínimo, 200 (duzentos) dias de aula, para os Ensinos Fundamental e Médio, como determina o artigo 24, I, da Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional)?
A Lei nº 9.394/96, em seu artigo 24, inciso I, disciplina que:
Art. 24- A educação básica, nos níveis fundamental e médio, será organizada de acordo com as seguintes regras comuns:
a) a carga horária mínima anual será de oitocentas horas, distribuídas por um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver;
b) (...)
É cogente a disposição da norma, ou seja, ela, sem qualquer outra possibilidade, fixa a necessidade de que existam ao menos 800 (oitocentos) horas de aula distribuídas em, ao menos, 200 (duzentos) dias letivos e, ao se olhar o que ali está positivado, há uma primeira impressão de que o assunto está resolvido.
(...)
Há, no entanto, para alunos e não alunos, para os cidadãos brasileiros de um modo geral, um direito fundamental, preservado pela nossa norma maior, a Constituição Federal, que é o direito à vida, isso estabelecido no caput do artigo 5º da Constituição Federal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
Então, no caso concreto, um direito se transformaria em ônus, o que, convenhamos, não é o desejo contido na LDB. Há, portanto, um único direito concreto que se buscou preservar com a suspensão das aulas, qual seja, o direito sagrado e universal à vida.
Quando se confronta esse direito com o direito que está escrito no artigo 24, I, da LDB, em primeiro lugar, por um entendimento inquestionável, é a salvaguarda da vida que prevalece. Se, para alguém, o direito natural à vida não pode ser defendido por convicções filosóficas e humanitárias quando a questão envolve o exame legal, ainda assim, no confronto da regra contida no inciso I do artigo 24 da LDB com aquela que vai alocada no caput do artigo 5º (direito à vida) prevalece a segunda, porque a Constituição Federal é norma máxima, contra a qual não se pode invocar qualquer norma que lhe seja inferior.
Desta forma, é necessário estabelecer um diálogo com a comunidade para buscar a melhor maneira de cumprir, com qualidade, tais conteúdos. Qualquer solução encontrada, entretanto, tem que estar de acordo com o projeto político-pedagógico da unidade escolar."
O parecer 19/2009 do CNE também respalda pareceres anteriores, como o 38/2002, que afirma:
“é admitido o planejamento das atividades letivas em períodos que independem do ano civil, recomendado, sempre que possível, o atendimento das conveniências de ordem climática, econômica ou outras que justifiquem a medida, sem redução da carga de 800 horas anuais”.*
CONCLUSÃO
A responsabilidade pela reposição não cabe apenas aos trabalhadores da educação, mas a toda a Rede de Ensino e deve ser pensada tomando como prioridade a qualidade da educação dos estudantes. Portanto, depois de passada a pandemia, não podemos ser obrigados a trabalhar infinitos sábados para fechar o ano letivo dentro do ano civil. O ano letivo pode ser encerrado no ano de 2021. Além do mais, o novo calendário precisa contar com a participação dos trabalhadores da educação, não sendo formulado de cima para baixo. Quanto ao direito às férias no mês de julho, conforme afirma o Estatuto do Magistério, esse deve ser garantido para os profissionais da educação e aos discentes.
Os ataques daqueles que nos governam por meio dos poderes executivos estadual e municipal, não podem ser aceitos pelos trabalhadores e precisamos lutar para garantir nossos direitos. No momento em que cedermos um, abriremos as fissuras por onde atacarão os demais.
Os coletivos de ensino e de administração que compõem as Comunidades Escolares em Goiânia e Goiás precisam informar às famílias a injustiça e retrocesso de qualquer reposição autoritária e que não respeite as férias escolares.
A quarentena que se inicia para a contenção do coronavírus, responsável pela doença COVID-19, realmente é um momento de tensão e reclusão, mas não de férias, descanso ou de reabastecimento das energias necessárias para enfrentar os próximos períodos de trabalho.
Ademais, orientamos melhorarem a alimentação o máximo possível, evitar aglomerações, lavar as mãos e braços com bastante sabão, utilizar o álcool em gel frequentemente, não usar as mãos para conter espirros e tosses, baixar o aplicativo Coronavírus – SUS para obter informações e notificar, se necessário, sintomas relacionados à doença.
Com a força dos conhecimentos historicamente constituídos pela humanidade na forma da pesquisa científica, pelo trabalho das várias categorias da saúde e com o compromisso em formar e informar adequadamente todas as pessoas, vamos vencer esta pandemia, sobreviver enquanto espécie e lutar por uma vida mais bela, justa e igualitária.
* portal.mec.gov.br › pceb018...PDF
PARECER HOMOLOGADO Despacho do Ministro, publicado ... - MEC