O dia sem mais-valia
Já está virando tradição: todos os anos entidades
empresariais promovem em várias cidades brasileiras o “Dia sem Imposto”. O
objetivo do evento é tornar evidente para a população a carga de tributos que
está embutida em cada mercadoria, e, consequentemente, levar os cidadãos ao
questionamento sobre os tributos pagos no Brasil. Muitas pessoas se espantam
quando comparam os preços das mercadorias com e sem tributos, sobretudo porque
o poder aquisitivo da população aumenta consideravelmente ao observar o valor
dispensado aos impostos. Daí, engrossam o coro dos empresários pela redução da
carga tributária brasileira. Porém, a questão não pode ser tratada de forma
maniqueísta, simplista, como as vezes é colocada. Gostaria de fazer alguns
apontamentos para enriquecer o debate. Vejamos:
1. A carga tributária da Finlândia representa 43% do PIB
do país, já no Brasil é cerca de 35%. O povo finlandês paga, então, mais
tributos do que os brasileiros. E será que lá existe protesto contra tal
situação? Bem, o fato é que no país nórdico o dinheiro arrecadado nos tributos
é de fato aplicado em obras e programas sociais; os três poderes,
principalmente o legislativo, não goza de tantos mimos como nas terras
tupiniquins; e a corrupção é algo que não devora o dinheiro público como no
Brasil. Assim, em vez de fazer o dia sem imposto, por que não fazermos o dia
sem corrupção? E não falo apenas sobre a corrupção legal, mas também sobre a
corrupção institucionalizada, pois gastar mais de 30, 50, 100 mil reais por mês
com um político, em um país em que o salário mínimo é 678 reais, é algo
antiético e imoral, sobretudo se lembrarmos quem são as pessoas que estabeleceram
tais honorários. Mas como fazer para que os políticos parem de roubar (roubar
mesmo, nada de eufemismos como desviar) o dinheiro público? Pergunta difícil,
apesar do grande número de soluções que são apresentadas. Mas já seria um bom
começo se os empresários (que clamam contra a alta carga tributária) parassem
de irrigar as campanhas eleitorais em troco de... De nada, ora. São homens de princípios,
mecenas da política. Se assim o fazem é porque compartilham com os ideais
políticos de seus apaniguados.
2. Uma parte dos tributos pagos pelo povo, que não é
abocanhada pelos políticos e pela sua corja de bajuladores, é aplicada na
saúde, educação, infraestrutura, cultura e obras sociais em geral. Uma dúvida:
em qual escola estudam os filhos dos empresários? Outra: qual o plano se saúde
do empresariado? “Se não uso os serviços públicos, por que tenho que contribuir
para a manutenção dos mesmos?”. Até que seria um raciocínio razoável para um
cidadão das classes abastadas.
3. Os tributos são passados de agente para agente da
cadeia produtiva. Pegamos o molho de tomate, por exemplo: o agricultor vende
para a indústria o tomate embutindo no preço os custos que ele teve com os
tributos. A indústria repassa para o comércio aquilo que o agricultor lhe
cobrou e mais outros tributos que teve de pagar. O comerciante vai pegar todos
os tributos que pagou e cobrar de quem? Nessa cadeia, todos repassam para o
próximo os tributos que pagou, exceto o consumidor, pois nele o processo se
finda. Assim, se existe um grande prejudicado pela carga tributária, ei-lo: o
consumidor.
4. Os economistas clássicos, como Ricardo, diziam que o
lucro era a justa recompensa para o empresário por ter arriscado a investir
seus capitais. Certo barbudo alemão, depois de muito o ler e o observar,
discordou veementemente. Na verdade o lucro não é um prêmio, algo justo, mas,
sim, o resultado da apropriação que o patrão faz de parte do produto do
trabalho do empregado, configurando uma relação de exploração. Marx não chama
isso de lucro, mas, sim, de mais-valia.
Seguindo a tese marxiana, se o lucro, digo a mais-valia, fosse dividido entre
os trabalhadores, isto é, se eles fossem proprietários absolutos dos frutos de
seu trabalho, se não existissem patrões, a carga tributária teria o mesmo peso que
hoje tem sobre suas rendas? “Ora, mas isso é comunismo!”, atalha um empresário.
Que tal fazermos uma experiência: em vez de fazermos o dia sem imposto,
poderíamos organizar o dia sem mais-valia. Melhor ainda, o mês sem mais-valia
ou o ano sem mais-valia, o mundo sem mais-valia! Talvez assim os efeitos da
carga tributária, se é que existiriam tributos tal como hoje, seriam minimizados
na renda das pessoas – embora perdêssemos um pouco em termos estéticos, pois
seria mais raro vermos pelas ruas algumas extravagâncias, tais como: Ferraris,
Mercedes e helicópteros cruzando os ares.
Renato Regis.
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